A região da Costa Verde marcou as páginas da história do Brasil como um dos maiores pontos de desembarque de negros africanos escravizados, em meado do século XIX. Sua economia era movimentada por sistemas portuários de escoamento do café e pelo intenso comércio negreiro, que resistiu à primeira lei de proibição do tráfico no país (Lei Feijó), em 1831.
Nesse período histórico, devido ao fechamento do Cais do Valongo, no Rio de Janeiro, e à produção cafeicultora que se expandia na região de serra acima, as antigas vilas de Itaguaí, Mangaratiba, Angra dos Reis e Paraty passaram a se destacar em notícias de jornais, pelo desembarque ilegal de povos africanos. A maioria desses desembarques ocorria na Ilha da Madeira, Ilha de Marambaia e Ilha Grande, onde os escravizados passavam um período de “engorda” (uma espécie de quarentena para recuperação da longa viagem).
Mesmo após a aprovação da Lei Eusébio de Queirós, que efetivamente proibiu o tráfico negreiro em 1850, a atividade ilegal ainda se fez presente dentro da Baía de Sepetiba e da Baía de Ilha Grande. Como forma de resistência, muitos fugiam para as matas, formando comunidade que ficaram denominadas como quilombos, que podemos entender como “comunidades de negros resistentes à escravidão”. Por toda a Costa Verde foram formados muitos desses quilombos.
Após a Abolição da Escravatura em 1888, os negros da região da Costa Verde resistiram e sobreviveram em fazendas e matas abandonadas, pescando, produzindo alimentos de subsistências ou trabalhando como lenhadores, carvoeiros nas mesmas terras onde foram escravizados. Nesses locais formaram comunidades denominadas “comunidades remanescentes de quilombo” e que podemos entender como “territórios de negros resistentes ao pós-abolição”.
Com a construção da rodovia Rio-Santos e a valorização das terras da região pela especulação imobiliária dos grandes hotéis, condomínios e resorts, as fazendas históricas foram vendidas e as “comunidades de remanescentes de quilombos” começaram a ser expulsas das terras em que seus antepassados trabalharam escravizados.
Na região da Costa Verde cinco comunidades remanescentes de quilombos já foram reconhecidas, oficialmente. São elas:
Comunidade Remanescente do Quilombo do Campinho da Independência, em Paraty;
A comunidade do Quilombo Campinho da Independência é composta por uma população quilombola. Sua origem está ligada aos escravizados de antigas fazendas da localidade, principalmente da Fazenda Independência, que era a maior propriedade da região. Após a Abolição da Escravidão os fazendeiros abandonaram suas propriedades e muitos ex–escravizados continuaram morando e trabalhando nas terras dessas fazendas, sobrevivendo da agricultura de subsistência. Mais tarde, as terras foram divididas entre aqueles que ali trabalharam. Na comunidade existe a narrativa de que todos os moradores são descendentes de três escravizadas: Antonica, Marcelina e Luiza.
Os quilombolas resistiram, lutando por mais de trinta anos e, finalmente, em 21 de março de 1999, a Associação de Moradores do Campinho (AMOC) conquistou a titulação definitiva do território. Sendo a primeira comunidade quilombola a receber o título definitivo de suas terras.
A comunidade vive numa área de 287 hectares, sobrevivendo do cultivo de palmito juçara, arroz, feijão, milho, mandioca, cana e outras frutas. Também produzem e comercializam balaios, cestos, peneiras e outros artesanatos. O maior investimento econômico da comunidade no campo do turismo é o Restaurante do Quilombo, muito bem estruturado e localizado à margem da rodovia Rio-Santos (BR-101), 20 km distante do centro de Paraty, onde são servidos peixes à moda quilombola e suco de juçara.
Comunidade Remanescente do Quilombo da Ilha de Marambaia, em Mangaratiba;
A comunidade Remanescente do Quilombo da Ilha de Marambaia tem sua origem ligada aos inúmeros estabelecimentos produtivos que historicamente foram desenvolvidos na ilha, utilizando a mão de obra escrava. Entre eles, a indústria baleeira da Praia da Armação, dois grandes engenhos de açúcar e de aguardente.
Depois da Abolição da Escravatura, os negros permaneceram morando na ilha, sobrevivendo da pesca e de pequenas plantações de subsistência.
Em 1939 foi criada, nessa localidade, a Escola de Pesca Darci Vargas, financiada pela Fundação Cristo Redentor e idealizada por Levy Miranda. Essa escola prestou atendimento, por um bom tempo, à comunidade da ilha, proporcionando ensino básico e preparação para o trabalho na pesca.
Entretanto, sem verbas para continuar mantendo a escola, a Fundação fechou suas portas e entregou toda a área construída à administração da Marinha em 12 de janeiro de 1971. Dentro do grande complexo arquitetônico da escola desativada foi estabelecido, em 1981, um Centro de Adestramento da Marinha (CADIM).
A comunidade lutou muito pelo direito ao seu território até que, em 2004, obteve o reconhecimento como comunidade remanescente de quilombo pela Fundação Palmares, e em 2015 assinou o TAC (Termo de Ajustamento e Conduta) com o Governo Federal, garantindo o direito sob uma área de 53 hectares para as moradias das famílias quilombolas. O documento formaliza a titulação coletiva da terra e assegura a preservação da biodiversidade da ilha. Desde então, convivem na Marambaia, dividindo espaços, a comunidade e o Centro de Adestramento da Marinha.
Em Marambaia, a memória dos tempos de escravidão permanece registrada nas fortes muralhas de pedra, que compõem o sítio arqueológico da grande fazenda de engorda de escravos, nos velhos armazéns e trapiches (transformados atualmente em restaurantes dos oficiais da Marinha), nos relatos históricos dos moradores mais velhos da localidade, e nas tradições culturais mantidas pela comunidade, repassadas de geração em geração.
A ARQIMAR (Associação dos Remanescentes de Quilombo da Marambaia), juntamente com o “Grupo Cultural Filhos da Marambaia” e toda a comunidade quilombola, celebra todos os anos, no dia 20 de novembro, “O Dia da Consciência Negra” com apresentações de jongo, capoeira, samba de roda e outras manifestações culturais do quilombo.
Comunidade Remanescente de Quilombo de Santa Rita do Bracuí, em Angra dos Reis;
A Comunidade Remanescente do Quilombo de Santa Rita do Bracuí, possui sua origem ligada à Fazenda Santa Rita do Bracuhy, propriedade de José Joaquim de Souza Breves (irmão do comendador Breves), que ao falecer em 1877, legou aos seus ex-escravizados, cerca de 260 alqueires de terra de sua histórica fazenda. Nesse local, por muitos anos, os descendentes dos escravizados, isolados do movimento da vila, sobreviveram produzindo uma agricultura de subsistência.
Após a construção da rodovia Rio-Santos (em 1974), a especulação imobiliária começou a avançar sob o território quilombola e, num processo de grilagem foram tomando posse das terras da Fazenda Santa Rita do Bracuí. E assim, devido às ações de uma empresa de empreendimento imobiliário, algumas famílias foram forçadas a deixar as terras herdadas. Outros passaram a trabalhar no próprio empreendimento da empresa. Até que, em 1978, a comunidade entrou com uma ação de reivindicação contra a empresa, através da Fetag-RJ. Entre os anos de 1980 e 1990, através da Associação dos Remanescentes do Quilombo de Santa Rita do Bracuí (ARQUISABRA), conseguiu avançar para alcançar o reconhecimento oficial e a titulação das terras.
Como resultado positivo dessa luta, em 1988, a Prefeitura de Angra dos Reis desapropriou uma faixa de terra para assentar algumas famílias que tinham sido expulsas do quilombo e a partir do meado do ano de 1990, a Associação dos Remanescentes do Quilombo de Santa Rita do Bracuí (ARQUISABRA) retomou a luta pela titulação de suas terras. Um grupo de jovens vêm mobilizando a comunidade para a importância do resgate de suas tradições culturais. Entre essas tradições se destaca o Jongo.
Finalmente, em 1999, a comunidade do Bracuí foi, oficialmente, reconhecida enquanto remanescente de quilombos e no dia 26 de julho de 2023 (Dia Nacional do Jongo) foi publicada a portaria do INCRA reconhecendo as 129 famílias dos ex-escravizados, que estão morando dentro da área de 616 hectares, em Santa Rita do Bracuí, em Angra dos Reis.
Comunidade Quilombola das Fazendas Santa Justina-Santa Izabel, em Mangaratiba.
A comunidade Santa Justina e Santa Izabel tem sua origem ligada à grande produtividade do Vale da Praia do Saco. Uma das áreas mais produtivas da região durante os séculos XIX e XX.
Devido ao recurso hídrico e às terras férteis do vale, engenhocas e engenhos de aguardente e fazendas produtoras de café foram ali estabelecidos, absorvendo uma grande demanda de mão de obra escrava.
Após a Abolição da Escravatura em 1888, toda essa grande área de produção sofreu total abandono e uma comunidade formada pelos ex-escravizados permaneceu no Vale do Saco, sobrevivendo da agricultura de subsistência.
A chegada do trem (em 1915) à sede do município de Mangaratiba, alavancou economicamente a região, com produção de lenha, de carvão e a cultura da banana. Os filhos, netos e bisnetos dos antigos escravizados que permaneceram nas fazendas do Vale do Saco foram se tornando lenhadores, carvoeiros e, mais tarde, tropeiros, bananeiros dos novos fazendeiros que chegavam à área.
Por volta de 1918, Victor de Souza Breves, neto do comendador Breves, chega a Mangaratiba, retomando algumas propriedades do Vale do Saco, por herança familiar. Em 1924, comprou as terras pertencentes à antiga Fazenda Cachoeirinha (com servidões, benfeitorias), criando a grande Fazenda Santa Justina. Seu cunhado, Armando Peixoto comprou, em 1936, as terras da atual fazenda Santa Izabel. Ambos, aproveitaram a força do trabalho dos negros remanescentes dos escravizados que ali permaneceram.
Por cinco décadas, as duas fazendas foram muito produtivas. Após o falecimento de Victor Breves, as duas fazendas começaram a perder produtividade.
Em 2007 as terras das fazendas de Santa Justina e Santa Izabel foram vendidas. Após a venda das fazendas, os quilombolas começaram a sofrer pressões para abandonar o território. Muitos não aguentaram as pressões e saíram. Um grupo de, mais ou menos, 50 famílias resistiram e começaram a lutar pelos seus direitos.
Em 16 de maio de 2016, a comunidade recebe a certificação, sendo reconhecida oficialmente pela Fundação Palmares, como Comunidade Remanescente de Quilombo da Fazenda Santa Justina e Santa Izabel.
Em 2021, a comunidade teve seu RTID (Relatório Antropológico) aprovado e aguardam a demarcação de seu território.
Atualmente, a comunidade continua trabalhando na agricultura familiar produzindo hortaliças, aipim, batata doce e frutas diversas como cana, cacau, limão, laranja e, principalmente banana. No quilombo, ainda existem cinco casas de farinha produzindo. Os quilombolas trabalham na pequena criação de gado leiteiro, galinhas, porcos, peixes e patos. Também com artesanato de cestaria, confeccionando esteiras, cestos e bolsas de palha etc. outras produções de destque são doces caseiros. No quilombo se destaca o trabalho de um grande escultor de madeira.
Comunidade do Quilombo Cabral, em Paraty
A comunidade quilombola Cabral, localizada em Paraty-Mirim, a cerca de 10 km do centro da cidade, tem sua origem ligada à formação de cinco úcleos, ou grupos de parentescos, que descendem diretamente de um ancestral comum: Francisca Alvarenga, proprietária de várias terras onde está situado o quilombo. A área do quilombo é de 500 hectares dentro da APA de Cairuçu, onde 50 famílias vivem ansiosas pela demarcação do território quilombola pelo Incra.
O processo de titulação do território quilombola foi aberto na Superintendência do Incra no Rio de Janeiro em 2009. Enquanto a titulação não sai, os quilombolas sonham em implantar um projeto para atrair turistas e vender artesanatos.
Ativação Cultural – Centro de Memória dos Povos da Costa Verde – 2024
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